Vivência na Aldeia: conhecendo os Tupi-Guaranis

A costa brasileira sempre foi lugar de muitas riquezas naturais e culturais. Não há quem não se deslumbre com a diversidade de paisagens e povos que habitam essa longa faixa de quase 10.000Km de comprimento, intercalada com praias, falésias, dunas, mangues, baías, recifes e restingas.

Nessa região, muito antes da chegada dos europeus que “descobriram” o Brasil, uma imensa população nativa já ocupava o território, outrora chamado de Pindorama, formando uma grande rede de etnias indígenas, em um complexo sistema de relações. A vida imersa na natureza, que caracteriza os povos indígenas, é sinal de uma cultura que valoriza e respeita o meio ambiente, e que a partir dele cria suas concepções de mundo e meios de sobrevivência. Não por acaso, é riquíssimo o conhecimento adquirido pelos índios em relação às plantas, animais e ciclos da natureza, compondo uma tradição que foi passada de geração em geração. Mas infelizmente, esses povos foram perdendo espaço desde a chegada do homem branco em suas terras e a necessidade de reformular e conservar suas tradições se tornou um grande desafio. No feriado da Páscoa, tive a oportunidade de participar de uma vivência de três dias em uma aldeia indígena Tupi-Guarani, no litoral sul paulista, foi mais ou menos assim…

A Vivência na Aldeia é um projeto criado pelos coletivos Cultive Resistência e Ama Ecoturismo, que em conjunto com diversas aldeias da região, organizam oficinas de trabalho englobando Permacultura, Educação Ambiental e Tradições Indígenas. A ideia que surgiu da necessidade de auxiliar na construção de moradias indígenas em áreas degradadas do litoral, se tornou uma bela troca, que soma forças no desafio de manter viva as tradições indígenas e que por outro lado propicia uma experiência singular aos que buscam uma alternativa para construção de uma realidade sustentável e multicultural.

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A aldeia Piaçaguera, se encontra na divisa entre os municípios de Itanhaém e Peruíbe. Na comunidade onde aconteceu a vivência, a ocupação do espaço é recente. Ao chegarmos na aldeia, fomos recebidos pelos moradores da, entre eles o pajé e outras lideranças. Muitas crianças vivem por lá, e chama a atenção a facilidade que elas tem em interagir com os elementos da natureza ao redor. Aos poucos estão sendo erguidas casas de pau-a-pique, mesma técnica utilizada pelos antepassados dos moradores, que servem de moradia, centro cultural e espaço de convivência. As construções são resultado das vivências, que trazem muito benefício aos que ali moram e também aos que ajudam a construir.

Ao longo dos três dias, as atividades eram feitas de maneira bem orgânica, alternando entre os temas propostos: Permacultura, Educação Ambietal e Tradições Indígenas. As refeições, que seguiam um cardápio vegano, eram servidas 4 vezes ao dia (café da manha, almoço, café da tarde e janta). Além de comer bem, estes eram momentos de muita troca entre as pessoas que estavam por ali.

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Nas atividades voltadas à Permacultura, Andreza e Josi, um casal de permacultores, introduziram o tema para a equipe e nos levaram para por a mão na massa. O objetivo era construir um banheiro seco, que além de ter baixo impacto ambiental por não utilizar água, gera adubo para as plantas. Utilizamos para a construção uma mistura de técnicas, com uma fundação de super adobe e paredes de pau-a-pique. Aos poucos a construção foi ganhando forma, e com muito trabalho em equipe, conseguimos vislumbrar a possibilidade de mudar paradigmas e aplicar técnicas simples e de baixo custo no nosso ambiente doméstico. É incrível perceber que temos condição de construir a casa que iremos viver com tão pouco e que o ato de fazê-la com as próprias mãos faz muito mais sentido do que optar pelas construções contemporâneas convencionais. Ainda tivemos a oportunidade de preparar o reboco e tinta natural para finalizar as paredes da construção.

As atividades de Educação Ambiental, eram facilitadas pelo professor Marcus, seguindo um propósito lúdico e de sensibilização tanto aos fatores externos – o ambiente que nos cerca- , quanto os internos – nossos sentidos e consciência. As atividades fortaleciam os laços entre as pessoas que participavam da vivência, criando um estado de união e bem-estar que espalhava para todos os cantos e momentos. A sensibilização também vinha no sentido de fazer refletir sobre nossas práticas cotidianas, os desafios e alternativas que temos para transitar para um modelo sustentável.

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Durante todas as atividades, as índias e índios da aldeia participavam, trocando experiências e ensinando um pouco sobre suas tradições. Ao longo do dia, podia sempre se ouvir o pajé Guaíra tocando o violão, entoando gritos em tupi-guarani, que eram seguidos da resposta de todos que se aventuravam nessa nova língua, que é também a mais antiga dessas terras. A curiosidade das crianças, levava adultos de volta a infância e em pouco tempo o grupo todo parecia em harmonia. Com as faces e corpos pintados de urucum, ficamos todos envoltos por diversas manifestações artísticas indígenas, como a música, os ritos, o artesanato e a contação de lendas. De noite, sentados ao redor da fogueira, ouvíamos atentos ao professor da aldeia, Dhevan, contar sobre as crenças e lendas que formam o imaginário indígena.

Parte da vivência, também serviu para abrirmos os olhos quanto a realidade que as populações indígenas vivem nos dias de hoje. É inegável que o avanço da sociedade moderna trouxe mudanças também para os povos nativos, uma vez que as consequências dessa modernidade alterou as condições ambientais sob às quais eles desenvolveram suas tradições. É nesse sentido, que a Vivência na Aldeia é um belo projeto, que une uma luta de resistência de povos indígenas, propondo uma troca de experiências entre os conhecimentos ancestrais dos índios e a educação para a sustentabilidade que aparece de forma tão necessária para os dias de hoje. Através de uma relação compassiva e disposta a ouvir e ensinar, durante esses três dias, culturas diferentes se uniram para realizarem sonhos em comum.

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Para conhecer mais sobre o projeto e ficar sabendo das próximas vivências acesse:

  • http://vivencianaaldeia.org
  • https://www.facebook.com/vivencianaaldeia/?fref=ts

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Mais fotos da vivência

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Sou um mineiro, com pai fluminense, que mora em São Paulo e que não pertence a lugar algum, ou a todos eles. Na busca de me definir, preferi ser do mundo, pois é dele que me vem toda a inspiração para viver. Nele encontrei a literatura, a arte, a filosofia e a ciência que me fizeram ultrapassar as limitações de espaço e tempo. Se me perguntam o que faço ou do que gosto, digo que sou um observador e que aprecio o silêncio que envolve toda a simplicidade do mundo. Recentemente me (re)apaixonei pela natureza, confesso que não consigo mais esquecê-la.