É normal chegarmos em casa e ouvirmos o som da televisão, do rádio, de alguém teclando no computador, ouvindo uma música, ou conversando. Os carros lá fora continuam a passar, em seus próprios ritmos, buzinando incansavelmente e, as pessoas, felizes ou não, fortalecidas ou não, vivendo suas vidas sem prestar muita atenção no que está acontecendo ao seu redor; sempre com pressa, sem paciência e sem perceber que, a tranquilidade da vida está acontecendo ao seu lado: em uma árvore, em uma simples flor e na brisa de um vento que refresca e seca o suor de um dia corrido.
Desapercebidos…
Voltamos então ao tempo, há milhares de anos atrás e, nos colocamos na classe de observadores. Sentamos sobre uma pedra, embaixo de uma árvore que nos proteja do calor do sol e admiramos a vida da Pré-História. Sem muitos rodeios estão ali, vivendo suas vidas de forma calma, bela e natural; não preocupados com o amanhã, não atarefados, se não apenas, em procurar na natureza seu próprio alimento – o pão de cada dia. Uma mãe carrega seu filho em seu colo até uma árvore próxima ao lago, com uma das mãos erguidas em direção a um pássaro pude ver que mostrava a criança esse ser incrível que nos dá a beleza da sua voz. Prestei mais atenção no silêncio que havia ali, esse silêncio era quebrado apenas pelo som desse pássaro e, pelo vento soprando nas árvores. Logo, permaneciam ali, mãe e filho, observando atentamente e escutando a mais perfeita melodia entoada por um pequeno pássaro.
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Deparei-me então, de volta a minha realidade, com Gordon Hempton, norte-americano e ecologista acústico, com mais de 30 anos de estrada e mais de 7 mil sons gravados da natureza e dos mais remotos lugares que, procura ao redor do mundo e na natureza os mais belos sons, desde uma lagarta rastejando sobre um galho seco, até o grunhido de um leão no meio de uma grande e alta relva. Preocupado com o dano do homem à natureza e sua insensibilidade perante ela, Gordon ressalta: “escutar, ou seja, ouvir com atenção, é uma atividade que muita gente entende errado. É comum pensar que basta focar em algum som e ignorar os demais. Para mim, isso não é escuta, mas deficiência controlada”. Hempton entende a importância dos sons da natureza e salienta: “[…]na Terra soa sons que só podem ser devidamente apreciados na ausência de ruído causado pelo homem”.
Por volta dos anos 70, a partir da criação de um projeto designado Projeto das Paisagens Sonoras Mundiais, liderado por Raymond Murray Schafer, da Simon Fraser University, no Canadá, nasceu a Ecologia Acústica, que visa conscientizar as pessoas da sonoridade da natureza e da Terra, através de: gravações, pesquisas acadêmicas, gráficos e todo tipo de materiais utilizados para os registros audíveis e, até mesmo, trabalhos artísticos. Segundo Gordon, a atmosfera urbana, desde a Revolução Industrial, obstruiu os milhares de sons produzidos pela natureza e, nos obrigou, desde pequenos a vivermos acostumados e desatentos a eles. E não deixa de ser verdade, salvos os poucos casos, as pessoas esquecem completamente da vida pós-casa, trabalho e afins; esquece-se das vozes e da música que ecoa constantemente em nossos ouvidos e ocupados demais com afazeres deixamos de ouvi-las.
Conheça um pouco mais da história de Hempton e veja a mudança radical que houve na sua vida a partir de um simples trovão que mexeu com todas as suas estruturas internas:
A mudança pode acontecer nesse instante em cada um de nós, no momento em que, nos conscientizarmos que precisamos parar e silenciar para ouvir um pouco mais da melodia orquestrada pela natureza. Seja para Hempton, seja para nós, a natureza necessita de mais espectadores, ansiosos pelo sol de cada amanhecer, pela chuva pingando na soleira da janela, ou pelo trabalhar de uma formiga levando um pequeno pedaço de folha para dentro de sua casa. Ser sensível aos sons, as vozes trazidas pelo vento, ser consciente que a tranquilidade mora ao lado, que a paz encontra-se também, no silêncio e se, trabalharmos nossos ouvidos para serem abertos, poderá sim, ser um divisor de águas, um transformador de vidas, haverá então, mudanças de histórias e construção de novos saberes. Gordon optou por transformar a sua vida completamente, simplesmente pelo fato de querer ouvir os sons da terra; como ele mesmo diz: “A Terra é a nossa música”.