O país na vanguarda desse tema é nosso vizinho Uruguai. Desde 2014, essa nação está dando grandes passos na implementação da lei que regula e controla o uso e cultivo de cannabis. Além do consumo da marijuana, legalizar e regularizar a produção de cannabis no país também está demonstrando que há diferentes aplicações dessa planta. Uma das principais vantagens da cannabis é a sustentabilidade que leva a ramos como a construção, saúde, estética e outros.
O avanço da lei
Em julho, o Uruguai abriu a terceira via de acesso ao cannabis legal: a venda nas farmácias. As outras duas vias de acesso, o auto cultivo e os clubes de associações, já estavam em funcionamento. Antes do início da venda em farmácias, cerca de 5 mil pessoas se haviam registado para poder realizar a compra por essa via. Atualmente, o país possui mais de 13 mil registrados.
Embora o consumo legal da marijuana seja o aspecto mais popular da lei uruguaia, existem aplicações da cannabis em distintas indústrias. Com o objetivo de expor essas variadas possibilidades que a legalização traz, um grupo de ativistas organiza há quatro anos a feira internacional EXPOCANNABIS URUGUAY.
O cultivo de cannabis e a sustentabilidade
Uma das fundadoras do evento é Mercedes Ponce de León. Há 17 anos ela acompanha e colabora com o processo de evolução da legalização, regularização e consumo da cannabis na sociedade uruguaia.
“A regularização colocou a discussão sobre a mesa, aboliu a áurea de tabu e obrigou a sociedade a tomar a responsabilidade sobre a marijuana. É incrível ser testemunha dessa mudança! As pessoas pouco a pouco vão tendo mais acesso à informação. Já se está interiorizando o fato de que a cannabis não é só a marijuana. Na realidade é uma fonte de matéria prima para muitas indústrias, o que abre um caminho muito fértil para o país.”
O Jardim do Mundo conversou com a Mercedes para conhecer como a cannabis pode contribuir para um mundo mais sustentável. Na entrevista, ela nos contou algumas das aplicações mais interessantes considerando vantagens econômicas e preservação do meio ambiente.
Em que indústrias a cannabis seria uma solução mais sustentável?
A cannabis industrial, ao ser uma planta com ciclo vital de aproximadamente 120 dias, pode ter várias colheitas anuais. Somente isso já mostra que é uma planta com melhor rendimento que outras. Seu potencial também se deve ao fato de ser um recurso natural renovável altamente resistente e também por ter uma grande adaptabilidade para sobreviver em diversos climas.
Quais são as aplicações mais sustentáveis da cannabis na sua opinião?
Indústria papeleira
O papel feito a partir do cânhamo, prática descoberta pelos chineses há milhares de anos, tem sido utilizado em documentos ilustres. Alguns exemplos são o primeiro livro na China e a Declaração de Independência dos Estados Unidos. A fibra dessa planta tem um excelente rendimento e valor ecológico para a fabricação do papel. A cannabis possui maior concentração de celulose que a madeira. Isso significa que é possível obter em menor tempo mais quantidade de papel por hectare. O processo requer pouca transformação química. Além disso, a cor do material pode ser facilmente transformada em branco com peróxido de hidrogênio (água oxigenada), uma substância mais amigável com o meio ambiente. Com essas fibras é possível criar um papel de alta qualidade, mais forte e com maior durabilidade.
Bioplástico
O bioplástico é um tipo de plástico derivado de produtos vegetais. Diferentemente dos derivados do petróleo, é biodegradável e passível de compostagem. Isso porque produz fertilizantes orgânicos a partir da ação de bactérias em dejetos degradáveis. A cannabis apresenta muitas vantagens nesse segmento econômico. Por possuir cerca de 65 a 70% mais quantidade de celulose que a madeira e por ser uma planta anual, cresce muito mais rápido que as árvores. Ademais, gera materiais tão fortes e resistentes como os plásticos convencionais. A celulose do cânhamo pode ser utilizada para a elaboração de partes de automóveis, instrumentos musicais, brinquedos, recipientes, papel celofane, celuloide, e todo um leque de novas aplicações através das impressoras 3D.
Alimentos
Como é uma planta oleaginosa rica em vitaminas e aminoácidos, resulta ter um enorme potencial também como recurso alimentício. Entre seus diferentes componentes, possui dois ácidos graxos essenciais: Ômega 3 e Ômega 6. Nosso organismo não produz essas substâncias, que precisam ser adquiridas através da alimentação. A proporção ideal desses lipídios em um alimento é de três partes de Ômega 6 por cada uma de Ômega 3. Curiosamente, essa é justamente a composição do óleo da cannabis. Além disso, também possui as vitaminas E e A, importantes para a saúde cardiovascular, a visão e a pele. Outros 20 aminoácidos também são parte da cannabis, e todos formam a base para a construção de proteínas. A legalização, o desenvolvimento de novas tecnologias e uma maior demanda de proteínas vegetais estão propiciando a criação de toda uma gama de alimentos derivados da cannabis para os humanos, como leite, chocolate e panificados.
Recuperação do solo e purificação da água
A raiz da cannabis é muito eficiente para a proteção dos cursos de água de contaminantes provenientes da agricultura, pecuária e indústria em geral. Em todo o mundo é cada vez mais comum encontrar bancos protetores que atuam como barreira ao redor de córregos e lagos. Os nutrientes excedentes de materiais contaminantes, como o nitrogênio e o fósforo, causam a proliferação de algas. Elas, por sua vez, impedem a passagem de luz e levam à morte da flora e fauna do local. A capacidade da cannabis em captar essas substâncias permite cultivos produtivos que funcionam como filtros e preservam a qualidade da água.
Interessante, não? Para conhecer mais sobre as possibilidades sustentáveis provenientes do cultivo e produção da cannabis, você pode participar da próxima edição da EXPOCANNABIS URUGUAY. Durante três dias, o evento oferece aos participantes a oportunidade de viver in loco a experiência uruguaia.
Os visitantes podem participar de debates e mesas redondas sobre o cultivo e aplicação dessa planta. Profissionais, ativistas, empresários, acadêmicos e especialistas da área vão compartilhar três dias de intercâmbios, análises, conhecimentos e debates sobre avanços da indústria e do mercado. Em 2017, o evento será nos dias 8, 9 e 10 de dezembro na capital Montevidéu.
Muito legal a matéria. Uma coisa importante a se lembrar sempre: estes avanços que o Uruguai vive não vieram do abstrato, ou pelo ar, mas de um projeto de país, que foi muito bem representado por Mujica.
Este projeto de país se traduziu em políticas públicas e é isto o que, no contexto em que vivemos, muda a realidade.
Falo isto não para desmerecer o ativismo, que considero fundamental, mas para lembrar que também pelo ativismo podemos eleger pessoas afinadas com uma visão de melhorar o mundo.
O esforço pessoal cai no vazio sem políticas públicas que lhes dê sustentação.
Vide o que estamos vivendo neste uma ano de golpe de estado.