Nos primeiros cinco minutos de documentário, chegamos a Cabrum: árvores e vegetação rasteira, construções antigas em pedra, muita água. Um filtro dos sonhos, um gato e alguns brinquedos perdidos nas margens de um caminho mostram-nos que, no meio da natureza, vivem adultos e crianças, que passeiam sem roupa num dia de Verão. É assim o início de “Que Estranha Forma de Vida“, documentário de Pedro Serra e Laura Pazo que acompanha a vida em três comunidades sustentáveis e auto-suficientes da Península Ibérica: Cabrum e Tamera, em Portugal, e a Cooperativa Integral Catalana em Barcelona, Espanha. Depois de ter sido exibido em festivais internacionais, vai estar disponível online ainda durante o mês de Janeiro.
Em 2014, o diretor e a produtora passaram cerca de uma semana em cada um dos grupos. Decidiram reduzir a equipe de filmagens ao mínimo indispensável para proporcionar “uma maior aproximação das pessoas”, algo que não seria possível com “uma equipe ‘normal’ para uma longa-metragem”, explica Pedro. Fizeram questão de experimentar, de fato, a vida em comunidade; nem sempre filmavam, aproveitavam para passar tempo com os habitantes. É por essa razão que, em “Que Estranha Forma de Vida”, espiamos as refeições — com produtos biológicos —, ouvimos as músicas e as conversas e vemos as atividades destas “formas de vida paralelas à sociedade tal como a conhecemos”.
Que Estranha Forma de Vida // What a Strange Way of Life – OFFICIAL TRAILER from Pedro Serra on Vimeo.
“Quando se vive num espaço assim, é bastante intenso”, descreve o jovem diretor português de 24 anos, para quem tudo foi novidade. “Quem vive numa cidade não tem que falar com as pessoas com quem se cruza na rua. Ali estás sempre a lidar com egos e o tempo ganha outro sentido.” A produção do documentário foi totalmente independente e a exibição em festivais nos Estados Unidos, no Brasil, Inglaterra, na Croácia, na Estónia e na Roménia mostrou o interesse do público no tema. No Cinantrop — Festival Internacional de Cinema Etnográfico de Leiria-Lisboa, venceu o prémio revelação.
Pedro, já tinha presente os ideais destas comunidades (auto-sustentabilidade, paz, auto-suficiência, harmonia e cooperação entre ser humano, animal e natureza). A pesquisa sobre o tema o fez perceber que é “realmente possível criar alternativas positivas” e ver a aplicação prática dos ideais entusiasmou.
Se em Cabrum — uma aldeia portuguesa abandonada e recentemente habitada por um grupo de pessoas com vontade de criar um projeto sustentável — as filmagens foram complicadas, em Tamera entrevistou vários habitantes (sobretudo alemães). A eco-aldeia de Cabrum é “bastante fechada”, revela, por uma questão de preservação da privacidade e da autonomia da mesma, mas o trabalho que fizeram “é impressionante”. Quatro anos depois, Cabrum viu nascer quatro crianças. Já Tamera, no Alentejo, vê-se como um “biótipo para a cura global de consciência” e é a mais antiga aldeia do género na Europa, pois já tem 20 anos.
De Portugal para Espanha, Pedro e Laura viajaram até Barcelona, onde uma cooperativa ocupou um prédio no qual promovem várias atividades. O objetivo da Cooperativa Integral Catalana é provar que esta filosofia de vida sobrevive ao (e no) meio urbano. Praticam uma “auto-gestão com moeda própria”, o Eco, e procuram usar o Euro apenas em situações indispensáveis. Aconselhamento por advogados, aulas de informática e de permacultura são apenas alguns dos serviços que oferecem ou trocam.
O jovem português e formado em cinema pela ETIC falou, ainda, com Rui Vasques, que criou um modelo de vila ecológica e sustentável aplicável em qualquer parte do mundo, a “Eco-Village Community”. “Um dia gostaria de viver desta maneira, numa comunidade, de acordo com os meus ideais, onde pudesse produzir o meu próprio alimento”, confessa Pedro. Enquanto esse momento não chega, está já pensando em dois temas que gostaria de abordar: o “freeganismo” e o movimento Okupa.
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Fotos por Laura