Da pequena janela do meu quarto observo o dia escuro e chuvoso dessa tarde calma de dezembro, e reflito sobre a necessidade urgente de mudança que invadiu toda a minha existência.
Percorro com o olhar no interior dessa casa pequena, dessa construção tão velha e precária, com o sentimento de estar em uma prisão. Antes esse sentimento tivesse surgido apenas pela carência de infraestrutura dessa moradia, pela inexistência de conforto, ou mesmo pela insegurança que sinto ao passar do portão para dentro. Mas não.
O que sinto tem origem no fato de que em um dia, há poucos meses atrás, acordei e ao encarar minha imagem no espelho do banheiro reagi como se lá pudesse enxergar o que, até então, não havia visto. Deparei-me com uma mulher gasta, descuidada e cansada, acomodada sobre a própria limitação, isolada e reclusa em um universo minúsculo. Vivendo sem grandes perspectivas, de olhos e sentidos cerrados diante da imensidão que significa viver.
Diante dessa imagem triste, perguntei-me em voz alta como havia permitido encontrar-me em tal situação, mas não houve resposta. Ouvi apenas o pulsar forte e intenso do meu coração, e mais nada.
Não conseguia ter claro como, mas ali me conscientizei de que era necessário mudar, e mudar por completo, radicalmente, como se somente o nome pudesse permanecer o mesmo.
Esse dia se passou lentamente, repleto de turvos pensamentos e emoções. Não ousei fazer mais que o habitual.
Tomei o banho habitual, escovei os dentes em 7 minutos, lavei o corpo, os cabelos. Vesti calças escuras e blusas de manga longa, percorri o mesmo trajeto até o trabalho, parei o carro no mesmo lugar de sempre e segui o dia como de costume: não mudei nada.
No dia seguinte acordei, e foi naquele mesmo espelho acinzentado do banheiro que tratei comigo mesma o compromisso de alterar minha vida e meus caminhos, porém foi só isso mesmo o que fiz.
E nos dias que se seguiram acordar tornou-se um exercício de valentia, pois ao me deparar diariamente com o espelho parecia estar diante de um juiz raivoso que já havia pronunciado uma sentença forte e que estava ali, sempre, todos os dias a me censurar por não obedecê-lo.
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Pensava sempre, entre uma e outra respiração, que não havia como permanecer naquela apatia diante de tudo, sentia-me agoniada, triste, impotente, chorava e, a despeito de toda sorte de reação interna e externa, não conseguia outro resultado que não fosse outro cigarro aceso, outro gole de café, outra vontade de correr.
E assim, passaram-se mais alguns dias, em completa agonia.
Tentei falar com algumas pessoas sobre a questão, mas não consegui, por puro constrangimento.
Comecei a procurar informações das mais diversas sobre ‘como mudar’, em textos, vídeos, depoimentos e toda sorte de referência que pudesse me ajudar a dar início a qualquer que fosse uma mudança, pois não podia permanecer como estava. Todas as minhas tentativas foram infrutíferas até então, e uma transformação em minha existência só teve início no dia em que compreendi claramente que só nos mexemos quando temos motivações fortes, objetivos claros e específicos a nos impulsionarem a agir.
Sem saber o que desejamos e como conseguir, não há forma nem de seguir e quiçá de mudar a direção do nosso barco. E então, refleti e decidi.
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Aqui não há como descrever soluções milagrosas e geniais, pois não ocorreram, e acredito que não ocorrem.
Agora, no quintal dessa precária habitação, sentada sob uma enorme quaresmeira, compreendo que já estou mudando, mas que os passos são pequenos demais para vê-los, e que aparentemente tudo ainda é tão igual. Sinto-me mais tranquila, pois estou entrando em acordo com o juiz que mora naquele espelho do banheiro, e se antes o seu olhar me repreendia, hoje me motiva a encontrar soluções próprias para conseguir mudar.
Quem diz que se transformar é fácil, talvez esteja um degrau mais evoluído que a grande maioria da humanidade, e quanto a mim, sinto os ossos rangerem, a cabeça doer quando tenho que agir diferente dos paradigmas que me sustentavam até então.
Mudar é necessário. Necessário, mas é pesado, e dói. Porém, ainda sob a sombra dessa majestosa árvore estou segura e tranquila de que essa dor passará e de que é necessária também.
Sigo em paz.