Uma eterna busca por personagens humanos e ao mesmo tempo surreais, que o diretor Wes Anderson explora com cores e tons.
Wes Anderson acumula opiniões contraditórias a respeito de si próprio: quem o idolatra pode mesmo exagerar chamando-o de nada menos que gênio, enquanto seus algozes se apressam em enterrar seu cinema, que muitos julgam já estar gasto. Ele tem duas coisas que me agradam muito: a ironia dos nerds e um bom olhar para a excentricidade, que se estende de seus personagens aos cenários.
Dizem que desde Os Excêntricos Tenenbaums Anderson vem se repetindo e tudo gira em torno de famílias estranhas. As famílias e as participações do ator Bill Murray nas tramas do diretor/roteirista podem mesmo dar motivos a essas acusações. Mas devo dizer que opiniões como essa me parecem um pouco preguiçosas, pois para alegar que o cinema do diretor do coloridamente esquisito A Vida Marinha com Steve Zissou (e as engraçadas versões das músicas de Bowie que fez o brasileiro Seu Jorge para a trilha desse filme foram o top nos meus fones de ouvido por meses) se resume a algumas fórmulas e a parceria com Owen Wilson é ler de seus filmes apenas a sinopse. A César o que é dele!
O projeto de Viagem a Darjeeling surgiu de uma obstinação do diretor, que depois de filmar num barco, se viu tentado a filmar num trem. As cenas gravadas nos corredores são bem legais, com os personagens algumas vezes amontoados naquele estreito lugar de passagem. E a decoração do Darjeeling Limited é estonteante, com muitas cores, excentricidade e um certo luxo decadente que condiz com a Índia, país retratado na história.
Nesse filme o roteiro é dividido entre Anderson, Roman Coppola e Jason Schwartzman. Os três partiram para a Índia e, segundo contam, algumas das cenas foram inspiradas pelas aventuras que eles acumularam por lá, no choque cultural que parece inevitável. E Schwartzman ganhou também uma espécie de prêmio: há um curta metragem de 12 minutos chamado Hotel Chevalier em que Jason interpreta Jack Whitman, seu personagem em Viagem A Darjeeling. Em uma entrevista coletiva que sintonizei no YouTube, Schwartzman diz que adorou a experiência de trazer para a gravação de um longa metragem alguma experimentação prévia de seu personagem. Em Hotel Chevalier, Jack está num hotel em Paris quando recebe o telefonema de sua ex-namorada (Natalie Portman), que diz estar na cidade e disposta a encontrá-lo. Ele concorda que ela vá a seu encontro e durante o tempo da espera o vemos escolher um música no I-Pod, arrumar a bagunça do quarto e preparar um banho de banheira. Nos créditos do curta vemos que ele é denominado como “A Primeira Parte de Viagem A Darjeeling”, o que faz uma ligação “oficial” entre ambos. Hotel Chevalier atiçou a curiosidade de muitos por apresentar imagens generosas do corpo nu de Natalie Portman. O mais legal é notar os fios que ligam o curta ao longa: a mala de Jack (aliás, as malas do filme não passam despercebidas devido a beleza, e foram idealizadas pela marca Louis Vuitton – by Marc Jacobs), assim como o diálogo final entre os personagens e o roupão de banho que Jack usa durante o longa, que é uma “herança” do hotel.
A sinopse do longa: separados desde a morte do pai há um ano e desconhecendo o paradeiro da mãe, os irmãos Whitman reúnem-se numa viagem de trem organizada pelo mais velho, Francis (Owen Wilson), que depois de sofrer um grave acidente se vê compelido a buscar o reencontro com os irmãos. O mais novo, Jack (Jason Schwartzman), é escritor e a cada parada do trem entra na caixa de mensagens telefônicas da ex-namorada, pois tem sua senha e quer manter-se informado sobre sua vida sem ele. O irmão do meio é Peter (Adrien Brody) que aparece no encontro com vários objetos do pai, como seus óculos e as navalhas de barbear, mostrando que ainda não superou a perda, além de estar aflito pelo nascimento de seu primeiro filho. Eles partem nessa viagem confusa, cheia de preparo e minúcias que ajudam a torná-la falha, buscando alguma experiência religiosa que além de reunificar a família, lhes traga algum conforto espiritual ou mesmo lhes mostre um caminho a seguir.
Francis reproduz um comportamento paterno para como seus irmãos, seja escolhendo os pratos que eles gostariam de comer ou guardando com ele os passaportes de todos, para que ninguém resolva abandonar a viagem sem que o objetivo seja concluído. Inclusive, Francis mantém a bordo do trem um assistente que tem como função fazer contatos e organizar a programação dos irmãos, que recebem fichas impressas e plastificadas com os itinerários da viagem. Até os rituais previstos tem suas “regras” previamente impressas nesta ficha, o que descaracteriza a busca espiritual, que deve acontecer de dentro pra fora, e não o contrário. E ficamos perdidos durante uma boa parte do filme, tentando entender o que Francis pretende com aquilo. Acontece que o objetivo real da viagem se revela apenas lá pelo meio do filme.
E essa é uma das linhas seguidas por Viagem A Darjeeling, a busca de alguma verdade maior que dê sentido às vidas aparentemente desestruturadas dos irmãos. E a verdade que Francis procura nada tem a ver com religião e sim com sua mãe, Patricia (Anjelica Huston), que vive reclusa num mosteiro indiano, afastada não só dos filhos como de um maior contato com o mundo exterior. Quando Jack e Peter descobrem que estão sendo levados para um encontro com sua mãe e que na verdade ela enviou uma mensagem pedindo que eles não a visitem, a coisa toda já está perdida. Devido às muitas trapalhadas que eles acumulam durante a permanência no trem – incluindo um affair entre Jack e a bonita tripulante Rita (Amara Karan, que faz sua estréia no cinema) -, os irmãos são deixados no meio do nada com 11 malas, uma impressora e uma máquina plastificadora. A partir daí eles iniciam uma jornada realmente desconhecida, com pontos altos que os ajudarão a alcançar um objetivo que tinha ficado em segundo plano: a união entre os irmãos.
Os três personagens principais trazem marcas visuais que os diferenciam: o Francis de Owen Wilson ainda tem o rosto enfaixado devido ao acidente, o que lhe confere uma aparência esquisita. Já Peter aparece em quase todas as ocasiões usando os óculos escuros do pai, seja noite ou dia. E Jack, que durante toda a ação aparece bem vestido, porém descalço, parece dizer que ainda não conseguiu sair do quarto do Hotel Chevalier onde ele já aparece sem sapatos. Esses detalhes nos ajudam a marcar a diferença entre os irmãos assim como apontam o maior de seus defeitos: a fragilidade.
As belíssimas locações indianas mostram a urbanicidade própria desse país, alternando a luxuosidade (que geralmente está ligada a religião) e a extrema pobreza. Mas Anderson se preocupa em passar uma bela imagem da Índia, aproveitando um diálogo aparentemente desimportante para deixar que o personagem Peter diga que jamais esquecerá o gostoso cheiro daquele país.
E porque devemos assistir Viagem a Darjeeling? Para acompanhar o desenvolvimento de mais uma trama insólita criada por Anderson; pelo impacto visual que o filme nos traz, seja com os cenários ou com a simplicidade do dia-a-dia indiano e pela boa interação que ocorre entre Wilson, Brody e Schwartzman que nos divertem interpretando os atrapalhados irmãos Whitman.
Compre sua passagem (ela se paga logo nos primeiros minutos do filme, não se preocupe), e aproveite esta Viagem A Darjeeling!
Trailer do Filme
[youtube http://www.youtube.com/watch?v=aO1bYukdvLI]
The Darjeeling Limited
EUA , 2007 – 91 min.
Direção:
Wes Anderson
Roteiro:
Wes Anderson, Roman Coppola e Jason Schwartzman
Elenco:
Owen Wilson, Adrien Brody, Jason Schwartzman