A série “Frontera Verde”, com direção de Ciro Guerra e que está na Netflix desde agosto, é ambientada no coração da Amazônia, na fronteira entre o Brasil e a Colômbia, e une o terror com o sobrenatural apoiado em questões atuais e necessárias. A trama é contemporânea e gira em torno do que, a princípio, parece ser uma simples investigação policial em meio à floresta amazônica.
Com oito episódios de pouco menos de 50 minutos cada, é impossível não se sentir envolvido.
Listamos 5 motivos pelos quais você deveria investir na série. Confira:
Fronteiras
As fronteiras físicas na série são tão ricas em significado quanto as alegóricas. Do encontro de Brasil e Colômbia, por exemplo, a produção traça um retrato realista de regiões fronteiriças. Ali, dividindo espaço com os mais variados sotaques de português e espanhol e línguas indígenas, há abandono público e militarismo; há a cidade e a floresta; gente branca, negra e povos nativos; o tecnológico e o analógico; o tradicional e o contemporâneo.
Fatos Reais
Muito mais que uma série de suspense, é interessante dizer que os criadores optaram por abordar questões reais e impactantes a respeito de nossa própria história, onde nos anos 30 a Amazônia acolheu uma expedição nazista que estudava nossos recursos e queria implementar bases para propagar suas convicções. Fato que além de chocante, surpreende por ser um período pouco conhecido.
Natureza
Uma das personagens diz que “a selva é a consciência do coração” e, repleta de acontecimentos místicos e sobrenaturais, a série é um convite para que possamos repensar a natureza e nossa conexão com a mesma. Além disso, os episódios nos apresentam índios que se transformam em árvores caminhantes que cuidam da floresta, além de seres mitológicos e fatos importantíssimos sobre a nossa própria história – aspectos que chegam com significados simbólicos arrebatadores.
Protagonismo Feminino
A série reserva um lugar especial para suas personagens mulheres. A união de Ushe e Helena é baseada em mutualidade, empatia, interseccionalidade e resistência frente a forças de destruição que até passam certos períodos dormentes, mas que ciclicamente voltam a emergir em busca de poder.
Helena, enquanto mulher branca e da cidade, é chamada a confrontar sua própria identidade e assumir sua parcela simbólica de responsabilidade sobre a Amazônia. Assim, o que ameaça Ushe também deve ser encarado por ela como um problema.
Cabe às duas, então, aliadas aos homens indígenas e a partir das particularidades que as diferenças de experiências de vida conferem às suas potencialidades, impedir que o fascismo devore os conhecimentos sociais e históricos da cultura que mantém o coração da Mãe Terra funcionando.
Nesse sentido, as personagens operam como signos de um chamado de tomada de consciência coletiva sobre uma mesma luta, que deve ser pautada em comunhão e que diz respeito, acima de tudo, à importância da Amazônia para além das próprias fronteiras.
Questões Necessárias e Atuais
“Frontera Verde” nos coloca em contato com questões superatuais e necessárias, como a realidade dos povos indígenas, as ameaças e imposições culturais e religiosas de grupos missionários, a ganância de fazendeiros, agropecuários e madeireiros, o tráfico de recursos e animais, a escravização do índio, entre outros temas.
O enredo
A série conta a história surrealista da jovem detetive Helena, que é enviada a Bogotá, ao sul da Colômbia e no meio da Floresta Amazônica, para investigar o assassinato de quatro missionárias. Entretanto, em meio às buscas elas encontra o corpo de uma indígena sem sangue e sem coração. Assim, os episódios nos levam para dentro da selva, nos fazendo percorrer a beleza e também seus perigos, envolvidos em muito mistério e tensão.
Enfim…
Nota-se que a série não pretende tratar de saudosismo barato sobre um passado “primitivo” ou glorioso da região amazônica. Trata-se, na verdade, de mirar um amanhã considerando o caminho. Ressignificar o que deu certo antes e combater o que é retrógrado partindo de novos lugares – como o protagonismo feminino.
Frontera Verde pode ser uma ótima experiência audiovisual (tanto narrativa quanto esteticamente); além de ser, claro, uma oportunidade valiosa de prestigiar o trabalho de bons profissionais latino-americanos, gente que vem propondo novos olhares às produções seriadas distribuídas mundialmente.
Além disso, nada soa exaustivamente didático. A série consegue ser agradável ao tempo do entretenimento sem se afastar da arte autoral ou subestimar o público. Como resultado, temos uma série perfeitamente capaz de disputar imaginários, apresentando ao mundo características de nossa região que nunca chegam na totalidade de sua potência a canais com audiência de massa.
Sobre o diretor
Essa é a segunda vez que Guerra, diretor da série, filma na Amazônia. Em 2016, ele foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por O Abraço da Serpente, produção que narra a interação de um indígena com um homem branco; algo próximo do que acontece na série da Netflix. Guerra também já havia trabalhado com Toulemonde em Pássaros de Verão – ele como codiretor ao lado de Cristina Gallego e Toulemonde como roteirista – , filme que estreou nos cinemas brasileiros dia 22 de agosto.