Nomenclatura técnica para o cultivo e manejo da Cannabis

cultivo cannabis

Visando a popularização do tema e da comunicação técnico-cientifica,  o Jardim do Mundo desenvolveu e agora divulga uma proposta de nomenclatura para o cultivo e manejo da Cannabis, em um estimulo que deve estar em constante aprimoramento através da ação conjunta com os agentes industriais e domésticos.

Tanto no Brasil quanto em outros países lusófonos, existem diversas maneiras, palavras e códigos para se referir a um único gênero de planta, a Cannabis, seja por sua popularidade como pela dissimulação provocada por políticas proibicionistas.

O debate tem avançado em todo o mundo e no Brasil ganhou notoriedade, mais do que nunca, com a regulamentação de medicamentos à base de Cannabis(RDC Nº 335, 2020) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a ANVISA e a aprovação da PL 399/2015 por uma comissão especial da Câmara dos Deputados . É consenso no meio científico que os potenciais médicos, industriais e econômicos da Cannabis oferecem amplos argumentos para sua regulamentação e legalização, em suas diferentes maneiras, como a exemplo de países como Portugal, Uruguai e Canadá. Segundo Borges e Gonçalves (2020): “Os movimentos mundiais de legalização da maconha, provavelmente, continuarão repercutindo em território nacional, que pode ocasionar a edição de legislação mais liberal ou mesmo o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sob a interpretação da lei, para que a maconha não seja mais vista como droga ilícita.”

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Florescendo em meio a polêmicas e evidências científicas, a Cannabis ganha cada vez mais espaço de debate e se torna um ponto de convergência de diversos saberes, tais como economia, botânica, ecologia, engenharia e medicina. Essa multidisciplinaridade é verificada na versatilidade desta planta e sua importância medicinal, cultural, econômica e religiosa. Dentro da história da humanidade, a Cannabis desempenha importante papel na agricultura, comércio e religião de diferentes civilizações e períodos(CLARKE e MERLIN, 2013).

Difusão historica da Cannabis

Durante a era do gelo, o gênero sofreu uma pressão evolutiva que provocou o surgimento de diferentes variedades, em diferentes localizações geográficas entre a Ásia Central e Meridional, resultando no surgimento das popularmente conhecidas subespécies Cannabis Sativa, Indica e Ruderalis (Sensi Seeds, 2020). Segundo Clarke e Merlin (2013), em sua obra Cannabis : Evolution and Ethnobotany, estas mesmas plantas, viajaram com grupos humanos nômades, gerando novas variedades e ampliando a distribuição do gênero e sua diversidade. Daí, chegando à moderna indústria da Cannabis, uma enorme variedade de nomes, jargões, e um amplo vocabulário e conteúdo evoluiu a culminar na necessidade de um esforço de uniformização deste vocabulário no Brasil, visando o seu desenvolvimento como um elemento básico no futuro da indústria canábica no país.

UTERMOHL DE QUEIROZ, Emiliano. Nomenclatura técnica para o cultivo e manejo da Cannabis. Jardim do Mundo, 2022.

Os estudos relacionados à Cannabis medicinal avançam e proliferam no Brasil, mesmo quando comparado a países onde o tema não é tabu (TALAMONE, 2020), porém também se desenvolve amplamente de maneira informal, impulsionada por indivíduos e famílias com necessidades médicas ignoradas, até entusiastas e estudiosos da planta. 

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Balançando entre o proibicionismo e a regulamentação da Cannabis medicinal, o cultivo no Brasil se desenvolve em um cenário nebuloso que merece ser dissecado e exposto à luz dos fatos, que, até agora, corroboram a perspectiva de crescimento para essa indústria no médio-longo prazo. 

Assim, tanto cultivo quanto o uso médico e recreativo da Cannabis segue se desenvolvendo no país e no mundo, em detrimento da perspectiva legal, salientando uma emergente cultura e tecnologia canábica, absorvendo informações e técnicas e também criando as suas próprias, inovando e colaborando no desenvolvimento da sociedade como um todo. Ainda assim, tarefas aparentemente simples seguem desafiando os expertos, tais como a taxonomia do gênero Cannabis (Emboden 1974; Schultes et al. 1974; Hillig 2005; Clarke e Merlin 2013; Small 2015) assim como a instabilidade genética de variedades tidas como idênticas entre os múltiplos bancos de sementes e criadores (SCHWABLE e MCGLAUGHLIN 2019), demonstrando a necessidade de mais estudos e divulgação do tema como um todo.

Na esteira destes fatos e dos acontecimentos presentes e perspectivas futuras, se mostra necessário uma padronização e uniformização da nomenclatura técnica ligada ao manejo da Cannabis no idioma portugues brasileiro, acomodando estrangeirismos naturalmente absorvidos, porém pouco examinados à luz de seu conteúdo conceitual.

Ignorando termos que são inerentes a técnica e a ciência agrícola, científica ou biológica e que estejam correlacionadas a Cannabis (como, por exemplo, substrato, enxertia, tricomas, sistema endocanabinóide, canabinóides, flores, etc), o presente trabalho propõe uma nomenclatura lógica e tecnicamente acurada para o vocabulário de profissionais e entusiasta do cultivo, manejo e estudo da Cannabis, considerando processos e técnicas utilizadas em nível internacional, facilitando estudos e agilizando a comunicação dos vários agentes envolvidos em todos os processos da indústria canábica no Brasil. 

METODOLOGIA

Os itens serão apresentados em sua proposta nomenclatural, seguido do termo coloquial em inglês (quando houver) e uma breve descrição conceitual, em ordem parcialmente aleatória. Visto a democratização do conhecimento, o presente trabalho propõe um equilíbrio razoável entre o conhecimento de origem popular e o jargão técnico científico disponível.

NOMENCLATURA TÉCNICA PARA CULTIVO E MANEJO DA CANNABIS

cultivo e manejo da Cannabis

Colheita do cânhamo

Cânhamo – Hemp: Variedades de Cannabis com teor de THC inferior a < 0,2% até < 1% dependendo da orientação legislativa.

Maconha – Marijuana: Variedades de Cannabis com teor de THC superior a > 0,2% até > 1%, dependendo da orientação legislativa.

Chemovar/Quimiotipo: Agrupamento das variedades baseado em suas qualidades medicinais, psicoativas e organolépticas.

Cultivar/Fenotipo: Agrupamento das variedades baseadas em suas qualidades físicas.

Vegetação (Vega): Período compreendido desde o surgimento das primeiras folhas, até o início da floração, marcado pelo crescimento dos ramos e folhas.

Floração (Flora): Período compreendido entre o surgimento dos primeiros cálices florais até  sua colheita, marcado pelo surgimento e desenvolvimento das flores.

Cultivador/jardineiro – Grower: aquele que se dedica ao cultivo de plantas de Cannabis.

Criador – Breeder: aquele que se dedica a cruzar e gerar variedades de Cannabis com características desejáveis e geneticamente estáveis.

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Cultivo interior – Indoor Grow : Geralmente o cultivo com condições como luminosidade e fotoperíodo controlados artificialmente.

Cultivo exterior – Outdoor Grow: Geralmente o cultivo com condições de fotoperíodo e luminosidade naturais.

Cultivo misto: Cultivo utilizando exposição à luz natural combinada com artificial.

Descarga de nutrientes – Flushconsiste na técnica de utilizar água ou alguma solução para diminuir a quantidade de nutrientes disponíveis no substrato.

Hiper/hipo irrigação : Excesso/carência de água no substrato.

Hiper/hipo fertilização : Excesso/carência de fertilizante no substrato 

Hermafroditização (Herma) – processo desencadeado por fatores de origem genotípicos e/ou fenotípicos e antrópicos, consistindo na produção de inflorescências masculinas e femininas em uma única planta.

Planta hermafrodita

Estresse – stress: Caracteriza-se pela perturbação das condições de crescimento em determinadas planta ou cultura.

Variedade – Strain: São as diversas representações de plantas de Cannabis selecionadas geneticamente por características morfofisiológicas desejáveis,  ou como resultado do cruzamento entre plantas de Cannabis de diferentes origens geográficas. 

Variedades Nativas – Landrace: São as variedades originárias, estreitamente ligadas aos grandes eventos ecológicos e geológicos e a história da expansão global da espécie Homo sapiens (CLARKE e MERLIN, 2013), às variedades nativas são os exemplares genéticos da Cannabis endêmicos de determinadas regiões do globo.

Variedades Ancestrais – Heirloom: São as variedades nativas cultivadas por suas características desejáveis, geneticamente estáveis, disponibilizadas em localização/denominação geográfica diferentes da origem. 

Manicure – Trimming: Processo de limpeza das flores de Cannabis e da separação da matéria vegetal, a fim de livrar do excesso de material vegetal indesejado.

Cura – curing: processo de aprimoramento estético e organoléptico das flores após secagem, momento onde diferentes canabinóides e substâncias organolépticas se convertem, conferindo sabor, notas e texturas às flores de Cannabis.

Sala de Cultivo/Estufa – Growroom: Ambiente interior onde o cultivo de cannabis é desenvolvido.

Arquitetura Plantar – Característica de desenvolvimento morfologico de uma planta, seja natural ou manipulada.

Treino – trainning: conjunto de técnicas voltadas a aumentar a produtividade ou cruzar variedades, em que a planta é dobrada ou até mesmo lastimada no intuito de gerar uma resposta produtiva.

Treino de alto estresse (TAE) – High stress training: técnicas voltadas ao aumento da produtividade ou produção de clones ou sementes, podendo consistir em fraturas, podas ou privações de condições essenciais, como luminosidade.

Treino de baixo estresse (TBE) – Low stress training: técnicas voltadas ao aumento produtividade por meio da manipulação e retenção de ramos e folhas no intuito de melhorar a distribuição de luz sobre as folhas e flores.

Ancoragem – Bending: expor maior parte da planta a luz de maneira a aumentar a produção floral, feito através de amarras e ancoragens de ramos ou do topo do espécime.

Corte apical – FIMing:  técnica onde o corte do ápice, acima da gema de crescimento, promove o desenvolvimento de florações mais densas.

Poda apical – Topping:  corte da gema de crescimento apical a fim de aumentar o desenvolvimento vegetativo e a produtividade floral nas ramificações laterais.

Poda lateral – Pruning – Remoção de ramos indesejados a fim de direcionar a produção em determinada parte da planta.

Fratura de produção – Super cropping: Treino de alto estresse que consiste na torção de uma ramificação para gerar uma fratura e uma resposta hormonal e aumentando exposição  a luz, revertendo em maior produção de flores.

Defoliação – Defoliation: remoção de folhas indesejadas, focando na produção floral e saúde das plantas.

Fenotrigo – Foxtail: de origem genética ou fenotípica, se trata de um tipo de formação nas flores de Cannabis onde os cálices crescem uns sobre os outros ou em espiral formando flores alongadas e disformes.

Fenotrigo

Fotoperíodo Crítico: Momento onde a alteração do fotoperíodo ativa a floração da planta, marcando o ápice da transição entre vega e flora.

Manutenção/manejo de fotoperíodo: Modificações deliberadas do cultivador ou criador sobre o período de exposição à luz a fim de gerar uma resposta reprodutiva ou produtiva de espécimes de Cannabis.

Cultivo Aglomerado  – Sea of Green (SoG): Técnica que consiste no cultivo de muitas plantas concentradas em um espaço onde o objetivo é a produção de flores, que se desenvolvem distribuídas desde o ápice até a porção central do caule de cada espécime de Cannabis, no menor período de tempo possível através do manejo do fotoperíodo.

Raleio de Brotação – Lolly Popping: técnica de retirada de ramificações inferiores a fim de concentrar a produção em determinada região da planta.

Cultivo em Rede – Screen of green (SCRoG) : Técnica de cultivo que consiste no treinamento de baixo estresse de uma ou mais plantas, através da distribuição dos seus ramos por meio de uma rede fixada sobre a cultura.

Cultivo em rede

Cultivo de clones revegetados – Monster cropping: Técnica de clonagem realizada durante o início do período de floração onde os clones enraizados são expostos a um fotoperíodo  de vegetação forçando a consequente revegetação.

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Buscou-se reunir aqui o maior número de termos nomenclaturais estrangeiros e carentes de equivalente no português e ainda reforçar a nomenclatura já existente voltada ao cultivo e o manejo da Cannabis, vocabulário utilizados por expertos e entusiastas, aportando uma alternativa coerente para o uso técnico, comercial, na educação e na pesquisa deste polivalente cultivar no Brasil.

Entre termos já bem estabelecidos, houve reforço na palavra “variedade” como o termo correto na botânica para se referir às diferentes manifestações fenotípicas e genotípicas de uma planta, já que, as diferentes variedades ou subespécies de Cannabis, produzem descendentes férteis quando intercruzados. Reforçou-se também os termos “maconha” e “cânhamo”, a fim de desmistificar as duas palavras mais popularmente conhecidas no Brasil para referir a cannabis industrial, médica e recreativa. Já palavras como chemovar/quimiotipo, cultivar/fenótipo, floração, vegetação surgem para reafirmar os termos assim como também facilitar a categorização de comercializáveis derivados da Cannabis.

Se tratando de um tema em plena evolução, deve-se esperar constante revisão e adições entre os termos aqui reunidos, em ampla colaboração com os agentes deste cenário em construção, visto as contribuições médicas, industriais, econômicas, sociais  e culturais da Cannabis, a fim de desmistificar e democratizar a matéria, assim como desenvolver técnicas e mão de obra qualificada para o cultivo e o manejo desta planta no âmbito nacional.

5 – BIBLIOGRAFIA:

CLARKE; Robert A. and MERLIN; Mark D.  CANNABIS: Ethnobotany and Evolution. University of Berkeley 434 pp. California Press, 2013.

EMBODEN WA. Cannabis—a polytypic genus. Econ Bot. 1974.

SCHULTES R.E, KLEIN W.M, PLOWMAN T, LOCKWOOD T.E. Cannabis: an example of taxonomic neglect. Bot Mus Leafl Harv Univ. 1974.

SMALL E. Evolution and classification of Cannabis sativa (marijuana, hemp) in relation to human utilization. Bot Rev. 2015

HILLING K. W. Genetic evidence for speciation in Cannabis (Cannabaceae). Genet Resour Crop Evol. 2005.

The Evolution of Cannabis Sativa & the Cannabis Ancestor. Sensi Seeds Blog. Sensi Seeds, 2020. https://sensiseeds.com/en/blog/the-evolution-of-cannabis-sativa-the-cannabis-ancestor/ Acesso em 01/07/2021 

TALAMONE, Rose. USP tem a maior produção científica mundial sobre canabidiol. Jornal da USP, Portal da USP, 2020. https://jornal.usp.br/ciencias/usp-tem-a-maior-producao-cientifica-mundial-sobre-canabidiol/ Acesso em 30/06/2021.

SCHWABE, Anna L. e MCGLAUGHLIN, Mitchell E. Genetic tools weed out misconceptions of strain reliability in Cannabis sativa: implications for a budding industry, Journal of Cannabis Research volume 1, Artigo: 3 , 2019.
https://jcannabisresearch.biomedcentral.com/articles/10.1186/s42238-019-0001-1 Acesso em 25/06/21.

BORGES, Iago Jacob Proença. GONÇALVES, Thatianne Lara Rodrigues de Oliveira. Drogas Ilícitas: Considerações sobre a regulamentação da venda de maconha e as consequências criminais. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 12, Vol. 12, pp. 174-188. Dezembro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/drogas-ilicitas

Solicitação para importação de produtos a base de canabidiol, ANVISA, Governo Federal 2020. https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-autorizacao-para-importacao-excepcional-de-produtos-a-base-de-canabidiol Acesso em 02/07/21.

 

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