Observando o movimento de desperdício alimentar que acontece no cotidiano e com grande força em nosso país (sim, o Brasil desperdiça muito!), vieram os questionamentos que iniciam esse texto. Muitos estudos e índices sobre o desperdício de alimentos abordam o comportamento consumista com foco exclusivo no movimento externo. Ou seja, de que tal ação ocorre porque sofremos um bombardeio midiático de informações que fomentam o constante consumo sem consciência. Não está errado. De fato, há muita informação que estimula o consumo, ainda que não precisemos do que está sendo consumido. Sim, vivemos a era da “vida” curta das coisas e que o desapego é necessário. Porém, vale lembrar que desapego é mais profundo. É diferente de descarte. Um é consciente, trabalha o espaço interior, reorganiza e o outro apenas “se livra”, sem um trabalho de reflexão e ajuste. O último então continua sendo um acúmulo. Gasto de energia sem propósito.
O fato é que para entender um comportamento, um hábito, exposto e impactante no espaço externo, não podemos tirar o olhar do espaço interno, primeiro. Que gatilhos nos levam a ingressar nesse movimento de desperdício e consumo inconsciente?
Entendendo que todas as nossas ações nascem através de nossos pensamentos, valores e hábitos enraizados, como colocar essencialmente o movimento de desperdício como algo provocado só pelo que vem de fora? É válido e interessante pensar que o que vem de fora, é na verdade a água que nutre o que já temos dentro. O que vem de fora só alimenta a energia que vem girando internamente e faz brotar atitudes.
Olhar para dentro
Pensar que podemos estar imersos em nossos próprios vazios e excessos pode gerar uma compreensão mais ampla da atitude de desperdício de alimentos. Quando estamos muito vazios, conectados em carências, em dúvidas, em necessidade de aprovação para satisfazer a demanda de um mundo pautado na moda, no superficial e no moderno, enxergamos logo que o sentimento criado é o de posse e tomada. Surge a necessidade de consumo. Há uma ideia de que podemos suprir os tais vazios com compras, com quantidades, com aquisição. Em contrapartida, se também estamos cheios de ansiedade para integrar esse mundo veloz, com foco na oscilação e mudanças rápidas, se estamos motivados pela ideia de que ter qualidade de vida é ter mais, comprar mais, aparecer mais, iremos certamente querer e sempre querer mais. Viveremos sob a demanda dos desejos ilimitados e de uma constante insatisfação. Nunca estaremos plenos.
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O ciclo vicioso
Aí surge um embate curioso! Os nossos vazios geram excessos, porém nossos excessos geram tantos vazios… Eis que o desequilíbrio toma conta e passamos a viver por meio de ações inconscientes, como seres inconscientes e que oscilam na própria identidade. Seres que não enxergam os verdadeiros alicerces para uma boa e sustentável jornada no planeta. Soltamos o bom senso das medidas. Desprendemo-nos do verdadeiro paradigma da abundância que representa na verdade, que nada nos falta. Que já temos tudo em nós e a boa administração do “tudo” que faz nossa interação com o mundo ser positiva a ponto de não falta nada. Entra aqui, um conceito do nada e tudo, que bem equilibrados num mesmo ser, demonstra consciência e que não necessitamos tomar tanto de fora.
O nada então é tudo e quando algo precisa vir de fora, vem na medida do necessário. Já diz uma música: “somente o necessário… “. E ainda assim, o bem estar fica estabelecido. Não há vazios e nem excessos.
Consequências do agir sem consciência
Já num cotidiano de desperdício há falta de autoconhecimento e uma forma mecanicista de vida, que faz com que deixemos de lado nosso ser orgânico, original e sustentável. O que é preocupante, pois tal ser é aquele que é capaz de nos conectar com o que é valioso de fato, com o tom da medida certa. Com atos de desperdício, deixamos de ser quem realmente somos. Deixamos de ser aqueles que entendem limites e que respeitam ciclos, sazonalidades. Deixamos de ser aqueles que cooperam e passamos a agir com uma atitude de tomada e posse. Com uma atitude egoica e prejudicial ao meio ambiente (o meio aqui se refere tanto a floresta lá longe, quanto a cozinha da própria casa). Deixamos de ser uma verdade, para ser algo, que na pureza da vida, não existe.
Dentro de toda essa perspectiva de desperdício e falta de valorização do ser original, vale refletir: Tudo aquilo que compramos para saciar nossa fome está realmente direcionado ao nosso bem estar? De que fome realmente, estamos tratando? A fome da alma que necessita de coisas mais orgânicas e simples ou a fome do ego, da gula, que nos pede o que a variedade do mundo consumista oferece num extenso cardápio de ilusões?
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O que desperdiçar alimentos tem a ver com nosso interior?
Comprar alimentos para saciar essa fome do ego consumista que proporciona um bem estar momentâneo, nos deixa enfraquecidos e com a ilusão de plenitude e força. Criamos uma dependência da aquisição constante e quando nos sentimos “bem”, jogamos fora o excesso.
É nesse momento que enxergamos o famoso desperdício de alimentos. Jogar fora algo que fizemos em grande quantidade, através da energia do comer (diferente da energia do alimentar, que organiza, combina, equilibra, que é positiva) demonstra que há internamente certa falta de medida e planejamento. Demonstra que não estamos conscientes sobre impactos de nossas ações e nem mesmo que estamos tendo clareza sobre nossas escolhas e pensamentos. Sobre o poder que ambos possuem.
Quando desperdiçamos alimentos estamos refletindo nossa insustentabilidade interior. Quando damos às atitudes de consumo e descarte o tom de desimportância, estamos na verdade, desperdiçando a nossa energia vital, o tempo, estamos nos consumindo, estamos nos desgastando porque direcionamos nosso potencial para algo negativo. Estamos, principalmente, devastando e desperdiçando o acolhimento que esta Terra nos dá.
Atitudes a serem tomadas
Vale então, trocar o comer egoico por um alimentar suave. Vale muito, estabelecer princípios e valores dentro do contexto alimentar e tornar tal hábito mais saudável, simples e mais integrado. Com isso, há uma valorização, não apenas do ato em si, mas de nós mesmos como seres cooperativos e conscientes. Criamos uma dinâmica harmoniosa e uma relação constante e simples com os valores da Terra e com nosso autorrespeito. Deixar de nutrir o ego para nutrir os valores da alma, certamente gera benefícios amplos. Quando a alma é nutrida, o ego é educado e com um ego educado, atitudes como desperdício de alimentos são amenizadas e até anuladas.
Atentar a ideia de que nossos hábitos, atualmente, estão sendo mais definidos pelo que vem de fora, do que pelo cuidado interno requer concentração, requer honestidade, silêncio e compaixão conosco. É fundamental.
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Ser consciente
Quando paramos para nos posicionar não como donos, mas como integrantes de um sistema que naturalmente é perfeito, identificando nossa responsabilidade e deixando de fugir de nosso papel e identidade reais, a mudança efetiva acontece.
Uma vez conscientes de nossos excessos e faltas, podemos nos reorganizar e com um sistema interno bem orientado nada é desperdiçado. O mundo agradece. A fome cessa (a da alma e quem sabe, com votos de esperança, a física, em tantas partes do mundo, também!). Tudo é questão de um pensamento, uma energia, um ato, um fato.
Desperdiçamos em tudo.
Não temos uma vida simples, “nossas necessidades” geram muitos itens e temos a indústria petroquímica presente em vários deles: tecidos, alimentos, cosméticos, utensílios domésticos, transportes, religião e por aí vai…
Desperdiçamos nossos rios para que eles sejam os “canais de escoamento do esgoto e dos dejetos da indústria”, desperdiçamos materiais recicláveis, desperdiçamos a oportunidade de ter uma vida mais equilibrada, saudável e compartilhada com todos os seres vivos, porque saqueamos o ambiente em busca de matéria prima.
Não voltaremos aos primórdios, mas temos a oportunidade de nos posicionarmos, agindo em prol de tudo e de todos.
Nós conseguiremos!
Olá Luiz. Exatamente. O ponto é uma vida simples ! O simples tem em si a naturalidade e a beleza que a vida por si só, possui. Uma consciência sustentável nasce exatamente da presença do simples em cada pensamento, escolha, ato, hábito. O simples anda de mãos dadas com o necessário. Vamos conseguir sim e será bom para todos. Estamos na jornada e chegaremos lá. Gratidão.