Mudar o mundo mudando nossas relações

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São Paulo, 2018, aula de forró. Participantes jovens, homens e mulheres, de diferentes orientações sexuais. A professora avisa que ali, dama e cavalheiro são posições na dança e nada tem a ver com gênero. E que, assim como na yoga, como dançamos reflete como agimos.

Ela brinca sobre comportamentos no forró e na aula: há aqueles que colocam os corpos excessivamente próximos de uma maneira sexualizante e aqueles que, demonstrando quase um medo do outro, se mantém excessivamente distantes, dificultando a condução. Poucos sabem a medida ideal entre entregar seu corpo ao outro com confiança e controlá-lo com atenção e leveza. Quatro aulas depois, oito horas de experiências no próprio corpo e no corpo alheio, uma turma sente que até está dançando mais forró, mas que principalmente aprendeu sobre confiança e entrega, sobre se relacionar com o outro.

Essa experiência aconteceu (e acontece) guiada por Anna Turriani, psicóloga e dançarina, no Dançarilhos. Mas ela carrega lições que ultrapassam a dança e podem ser usadas para que no dia a dia ajamos mudando nosso entorno. Se há coisas que podemos fazer materialmente para um mundo mais sustentável, também há ações relacionais que podemos praticar para mudar nosso mundo.

1. Somos falhos, nos perdoemos

Falamos muito sobre praticar o perdão com o outro, mas é essencial também praticarmos o perdão com nós mesmos. Verdadeiramente abraçar nossas sombras e compreender o quanto elas são importantes em nossas trajetórias.

Baseadas no Ho’oponopono, sugerimos uma pequena inversão no mantra, para torná-lo:

“Sinto muito; te perdoo; eu te amo; sou grato.”

Ao sentirmos, já estamos pedindo perdão. Perdoemos nós também o outro. E façamos o mantra para nós mesmos:

“Eu mesmo, sinto muito pelo que te causei de negativo. Eu mesmo, te perdoo. Eu mesmo, te amo. Eu mesmo, sou grata por você.”

2. Somos só pessoas, nos valorizemos

“Fábula: As duas bolsas

Cada homem, segundo uma lenda antiga, nasce no mundo com duas bolsas amarradas em seu pescoço, uma na frente e outra nas costas. Toda a bolsa que leva à frente está cheia das faltas e defeitos de seus vizinhos, e a bolsa grande que leva atrás das costas está cheia de suas próprias faltas e defeitos. Daí que os homens são rápidos demais para ver as faltas e defeitos dos outros, mas são, com muita frequência, cegos para ver suas próprias faltas e defeitos.”

Todos temos defeitos e é difícil realmente enxergar nossas sombras e encará-las. Mas muitos dos que estão buscando fazer exatamente isso, muitos do que leem esse texto, já estão em um trabalho de autodesenvolvimento, e não precisam focar ainda mais em seus defeitos, e sim em sua abundância. Ousemos reescrever essa fábula:

Cada homem, diz a nossa lenda, nasce no mundo com duas bolsas amarradas em seu pescoço, uma na frente e outra nas costas. Toda a bolsa que leva à frente está cheia das conquistas e qualidades de seus vizinhos, e a bolsa grande que leva atrás das costas está cheia de suas próprias conquistas e qualidades. Daí que os homens são rápidos demais para ver as conquistas e qualidades dos outros, mas são, com muita frequência, cegos para ver suas próprias conquistas e qualidades.

Temos o ruim hábito de subavaliar nosso trabalho e sobreavaliar o do outro. De entender que o que fizemos foi fácil, mas o que ela fez foi gigante. A televisão, as revistas e as redes sociais aumentam essas distâncias entre o eu e o outro, fazendo-nos sentir ainda menores.

É importante, no entanto, perceber que fazemos isso, e aprender a nos olhar com carinho. Somos todos igualmente pessoas: nem o outro é heroi e nem nós somos fracos. Valorizemos nossas trajetórias e construções, nossas conquistas e também os nossos erros e aprendizados.

3. Se perdoamos e valorizamos o outro, nos perdoamos e nos valorizamos, nos entreguemos

Quando sei que sou luz e que você é luz, quando a deusa que em mim habita sauda a deusa que em ti habita, podemos nos entregar. Podemos começar nossa dança para descobrir que se nós dois entregamos o corpo um ao outro, encontramos um novo centro de equilíbrio, que nos permite novos desenhos e giros.

Entregar-nos é perceber que quando somos condutores, precisamos conduzir a partir do que o outro nos oferece. Que quando somos conduzidos, precisamos estar atentos não só às grandes ações mas às pequenas intenções, e precisamos nos lembrar que dentro da condução alheia ainda podemos dar o nosso floreio. Que todos podemos e devemos aprender a conduzir para sabermos ser conduzidos, aprender a ser conduzidos para conduzir. Que conduzir e ser conduzido são complementares, e são modos de agir entre os quais devemos alternar.

4. Como aprender a dançar com o outro?

O exercício de entrega não existe sem o exercício da escuta. É preciso atentar para escutar a mim mesma, minhas necessidades, desejos e capacidades. É preciso atentar para escutar ao outro, suas necessidades, desejos e capacidades. E é preciso atentar para escutar o ambiente, a música que está tocando, o espaço que temos para nos mexer.

Comunicação não-violenta

A comunicação não-violenta pode ser uma importante ferramenta nesse processo. Em uma grande síntese, poderíamos dizer que o exercício da comunicação não violenta é tentar falar a partir de si mesmo, enquanto tenta entender o que o outro diz.

Eu digo: Esse é o fato, como eu o vi. Ele me fez sentir assim. Acho que poderíamos fazer isso a respeito.

Eu respondo: Entendi que você me disse isso. Isso me faz sentir assim. Acho que poderíamos aqui aquilo a respeito.

Dessa forma, garantimos que estamos nos colocando, nos expressando, e também que estamos nos esforçando não só para ouvir com as orelhas mas também para verdadeiramente tentar compreender o outro.

Podemos buscar outras ferramentas para demonstrar e exercitar nossa entrega, como a própria dança, yoga, estudos sobre posturas corporais e manejo de nossa voz. Mas o importante é lembrarmos a importância da dança, e constantemente intencionarmos a entrega e a escuta.

Filha de Ogum e Oxum, estudante de tudo que pode nos levar ao reenvolvimento: educação, política, meio ambiente, nutrição, cultura, espiritualidade. Paulistana de sangue mineiro e alma pernambucana.

amandamatta.wordpress.com/

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