Uma lição indígena sobre a efemeridade

efemeridade

Na defesa de sua dissertação de mestrado na UNB, Célia Xakriabá Mindã Nynthê conta uma história sobre duas mestras Xakriabá, uma etnia indígena do tronco Macro Jê, Akwen, do norte de Minas Gerais. Na história, as duas mestras, dona Libertina e dona Lurdes, estão contando sobre suas construções tradicionais, em um curso na Universidade Federal de Minas Gerais, quando recebem de um estudante a proposta de aprenderem uma técnica que faria com que estas casas durassem para sempre. Sem hesitar, respondem:

“Não meu filho. Obrigado, mas isso é perigoso. Se aceito sua oferta, como é que vou ensinar meus filhos e netos a construir? A casa usada tem que se desfazer para eles observarem como fazer uma nova. Não é a casa que tem que durar, mas o conhecimento. Se a casa cai, mas fica a forma de aprender, a gente aprende e levanta outras.”

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Em sua resposta, as sábias Xakriabá nos dão uma importante lição sobre a efemeridade da natureza e a essência das coisas. Este ensinamento é frequente entre os povos indígenas, que muitas vezes relatam acreditar que nós pertencemos à natureza e não ela à nós, e é comumente esquecido por nós, moradores das cidades.

Outra etnia, os Guarani Mbyá, acreditam na perenidade da natureza e de tudo que ela nos oferta. E como tudo o que precisamos nos é dado pelo planeta, seria tolo tentar tornar as coisas mais duradouras ou estocá-las: o que é  estar sempre se renovando.

Estes pensamentos valem tanto para materiais e produtos que usamos quanto para sentimentos e situações que queremos que se prolonguem. Se estamos pensando em coisas concretas, vale o apelo de usar aquilo que é mais natural, que acaba mas que é compostável, que produz o tipo de lixo que podemos jogar no gramado e saber que está apenas colaborando. E se formos pensar em coisas abstratas, é importante separar também o que é apego do que é realmente felicidade.

A nossa presença e entrega nos momentos e a consciência de que eles são apenas passageiros não os torna desimportantes, e sim eternos. Outra característica dos povos Guarani é a de utilizar os mitos para perceber a repetição das vidas: somos partes da natureza e, como ela, cíclicos. Se, por um lado, é necessária a escuta do corpo e a criação de rotinas, por outro, tudo pode mudar a cada instante e é necessário percebermos o quanto isso é essencial para o avanço do todo.

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Efemeridade da rotina

O ato da repetição, a necessidade de refazer, trocar, para continuar o mesmo, pode nos parecer tolo ou perda de tempo. No entanto, os ciclos nos ensinam a aperfeiçoar o produto de nosso trabalho e, consequentemente, nós mesmos. E a repetição de ciclos necessários na matéria nos conecta com os ciclos mais incontroláveis pelos quais passamos: desde os ciclos de nossa menstruação até os processos de engajamento, paixão e distanciamento que passamos com os outros, com o trabalho, com certos hobbies. Aproveite suas rotinas para refletir sobre estes processos:

  • dedicando um tempo diário ou semanal na produção de sua própria comida;
  • cuidando de plantas envasadas que em alguns meses estão lindas e floridas mas, em outros, perdem suas folhas e deixam de ser tão exuberantes;
  • fazendo faxina em sua casa para, organizando a matéria ao seu redor, poder organizar também seus sentimentos e reflexões;

Eternidades únicas

Se muitos atos parecem bobos mas são importantes de serem incorporados ao dia a dia, outros tantos são tão deliciosos que queremos torná-los eternos. Mas assim como o carinho que criamos pela flor que desabrocha após um ano sumida, certas alegrias e amores que vivemos só são tão importantes porque se destacam no meio de nossas enxurradas de sensações diária.

Para eternizarmos essas delícias, é importante conseguirmos criar maneiras de percebê-las com plenitude, e de entender seu contexto. Para isso:

  • anote em um caderninho anual os melhores momentos vividos e os processos que levaram a eles;
  • reflita sempre antes de dormir sobre os 3 pontos altos do dia, percebendo que sempre há algo a se agradecer;
  • pratique rotineiramente o desapego de coisas boas, doando roupas e livros, para vivenciar a sensação de abrir espaço para o novo.

Fonte imagem em destaque: Portal Voluntários Bradesco

Filha de Ogum e Oxum, estudante de tudo que pode nos levar ao reenvolvimento: educação, política, meio ambiente, nutrição, cultura, espiritualidade. Paulistana de sangue mineiro e alma pernambucana.

amandamatta.wordpress.com/

Uma opinião sobre “Uma lição indígena sobre a efemeridade

  • Reply Arnoldo M. Arruda 28 novembro, 2018 at 23:16

    Somos bilhões de seres humanos na terra se cada um jogasse uma semente na terra ,frutífera ,sombrosa , comestiva ou não, teríamos alimento bastante para nos alimentar e belas sombras para nos acolher .